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10 Anos de Patagónia - Parte I

  • Foto do escritor: Patricia Reis
    Patricia Reis
  • 17 de fev. de 2020
  • 8 min de leitura

Atualizado: 3 de abr. de 2020



Em Agosto de 2009 decidi ir estudar um ano para Florianópolis (Brasil), no famoso intercâmbio entre universidades. Em Fevereiro de 2010, há exactamente 10 anos atrás, fiz a viagem mais incrível, peguei na mochila e rumei para Sul, no continente americano. Destino: Patagónia.


Este texto é sobre as memórias dessa viagem que celebra agora uma década.

 

Sim, memórias. Vou tentar recuar no tempo e fazer um breve enquadramento. Há 10 anos atrás não tinha um smartphone, nem redes sociais (tinha acabado de criar uma conta no Facebook para manter o contacto com os meus amigos em Portugal). Há 10 anos atrás tinha acabado de fazer 22 anos e estava num país que não era o meu, num continente que não era o meu, numa cultura que não era a minha - queria passar o mais despercebida possível. A viagem foi feita com uma máquina fotográfica, passaporte, e uma mochila com roupa e acessórios para sobreviver a um mês de viagem.


A mochila de campismo, de 40L (se não me falha a memória), levava o seguinte: sete mudas de roupa leve (pico do Verão no hemisfério sul) e confortável incluindo dois calções e um par de calças, sete t-shirts ou tops, sete mudas de roupa interior incluindo biquini, um par de sapatilhas, um par de havaianas e um par de sandálias rasas, um pijama de verão (calção + top), um casaco de meia estação, um casaco de malha e um lenço; uma almofada pequena "roubada" à TAP na viagem de avião para o Brasil e um páreo; kit para dar um jeito à depilação; corpo de máquina fotográfica + duas lentes, telemóvel e respectivos carregadores; protector solar, champô, escova + pasta de dentes e uma carteira pequena para andar comigo no dia a dia. Estou na dúvida se levei o meu leitor de mp3.


Mala fechada, vamos ao roteiro. É simples, não houve. Vou recuar novamente no tempo, desta vez até um mês antes da viagem, Janeiro de 2010. O meu namorado da altura tinha acabado de chegar de Portugal para passar três meses comigo no Brasil e, em Fevereiro, acontece uma loucura no Brasil chamada Carnaval. O senhorio já nos tinha avisado que durante este mês a renda da casa ia duplicar ou triplicar. Não é caso único, todos os senhorios e proprietários de alojamento fazem isto de modo a esticar o lucro desse mês, pico de Verão, pausa lectiva entre semestres e Carnaval fazem um cocktail explosivo. Portanto, nós, estudantes que ficávamos em casas alugadas, optámos por sair no final de Janeiro, deixar as nossas coisas em garagens e arrecadações e viajar, regressando apenas em Março - quando a renda voltasse aos preços normais. É aqui que decido viajar com o meu companheiro. "Para onde?" - "Eu gostava de ir à Patagónia." - "Patagónia?" - "Sim. Gelo, pinguins, o fim do mundo sem pessoas." - "Mas Argentina e Chile? Ou só um deles?" - "Podemos descer pela Argentina, passando pelo Uruguai e depois subir pelo Chile e acabar no Paraguai. Do Paraguai regressamos para Floripa (abreviatura de Florianópolis)." - "Mas durante quanto tempo?" - "Mais ou menos um mês, até porque dia 1 de Março o meu visto caduca e tenho que renová-lo. Portanto, o ideal era apontarmos para dia 15 de Fevereiro estarmos um Ushuaia (já coloco um mapa). Quinze dias para descer e outros quinze para subir de regresso a casa, mais coisa menos coisa." - "E paramos onde?" - "Capitais: Montevideo (Uruguai) e Buenos Aires (Argentina), Santiago (Chile) e Assunção (Paraguai). Para além disso, temos que parar na "esquina do continente" - fim do mundo - Ushuaia (Argentina) e visitar o Glaciar Perito Moreno (Argentina também); depois podemos subir para Santiago pela mítica rota 40; e já agora também temos as Cataratas do Iguaçu (Brasil/Argentina). E sempre de autocarro para vermos mais e termos a liberdade de parar quando quisermos." - "Ok, parece-me bem. E fazemos reservas de alojamento, autocarros, etc?" - "Não, vamos andando e vamos vendo". Basicamente, foi isto.


Agora, pausa para os mapas.



Primeira imagem (em cima, à esquerda): mapa da região geográfica da patagónia que engloba parte de dois países: Argentina e Chile. Na imagem ao lado, à direita, uma ideia do percurso que acabei de descrever, passando pelas principais cidades, com cerca de 11.800km. Na imagem em baixo, o percurso "estendido", em quilómetros, do que seria equivalente se fosse na Europa, e daria para ir de Lisboa a Ulaanbaatar, na Mongólia (10.600km aproximadamente). Peanuts. Vamos lá então...

Primeiro percurso: de Florianópolis (Brasil) para Montevideo (Uruguai) - cerca de 1300km


A América do Sul é enorme e, para nós europeus e, pior ainda para os portugueses, a escala das viagens não tem comparação possível. Duma tirada fizemos o equivalente à costa portuguesa, ou mais. Foram cerca de 16h de viagem e, na verdade, tenho a ideia que a média da duração andou à volta das 12h. Os autocarros também não são os da carreira (excepto os brasileiros, que foram, de longe, os piores), nem os da nossa rede expressos. São autocarros, geralmente, de dois andares com cadeiras mais largas, confortáveis, reclináveis (cerca de 180 graus) e muitas delas com um pequeno LCD e auscultadores individuais, com hospedeiras a bordo, servindo pequenos lanches e até refeições. Optámos por fazer quase sempre as viagens de noite para poupar dormidas em alojamentos, se bem que, com viagens de 12h de duração, era difícil não apanhar partes nocturnas. Bom, desta primeira viagem não me recordo de grande coisa, excepto da festa colectiva quando passou a música Macarena e da hospedeira, que será um detalhe interessante para contar mais à frente. Atravessamos o estado do Rio Grande do Sul - Brasil - quando o sol se estava a pôr. Daí em diante pouco mais me lembro, devo ter adormecido porque quando acordei já o sol ía alto e a paisagem tinha mudado, são campos e campos de cultivo. Estávamos no Uruguai e a chegar a Montevideo.


Domingo não é o melhor dia para se chegar a capital nenhuma. Mas foi o que aconteceu, chegámos a Montevideo a um Domingo e não é que a minha memória seja incrível (que não é), mas como lembrar-me-ia eu deste detalhe? Fácil, não havia vivalma na rua e estava tudo fechado. A imagem que tenho desta cidade são as avenidas vazias, pessoas de roupão a passear o cão nos jardins, agarrados à sua bombilla, a beber chimarrão e com o seu termo de água quente.


Apesar de não ter vivenciando a azáfama da cidade, gostei bastante de vaguear pelas ruas de Montevideo. Já tinha mencionado que não havia grandes planos nem roteiros e não havia mesmo. Tínhamos um guia da Argentina/Chile connosco, mas basicamente, íamos deambulando pelas ruas. Não fizemos check em lista nenhuma de coisas a ver. Se gostávamos de uma rua, seguíamos por ela e se tínhamos fome e encontrávamos um café interessante, parávamos. Claro que tentávamos ver sempre o centro, partes históricas, alguns monumentos, mas sem obrigatoriedade nenhuma. Íamos andando. Esta frase podia ser o mote da viagem. Continuando, Montevideo. Visitámos a ciudad vieja e é, sem dúvida, das partes mais interessantes: zona histórica um pouco mais degradada, mas também mais carismática. O centro económico e financeiro da capital ficou para trás. A arquitectura também é diferente, os grandes edifícios e as avenidas largas dão lugar a uma arquitectura mais modesta de ruas estreitas. No entanto, acho que é aqui que encontrámos uma Montevideo mais interessante e onde passámos mais tempo. Só ficámos um dia nesta cidade com muita pena minha e, portanto, soube a pouco.



Falta só contar um episódio. Estou descansadinha a andar, algures, no centro da cidade e só vejo o meu companheiro a correr na minha direcção: "Rápido, dá-me a máquina fotográfica!". Passo-lhe a máquina. Ele desaparece a correr à minha frente. "Bonito" - pensei. "Acabei de ser roubada. Não estava à espera disto". Semi-cerro os olhos e percebo que ao longe vai alguém com uma camisola vermelha. Parecia uma camisola de futebol. Será que vai atrás dele? Quem seria? Reconheço o lettering nas costas. Tinha qualquer coisa escrita a branco. Confirma-se, é uma camisola do Benfica. Minutos mais tarde ele regressa e vem ter comigo com sorriso largo. "Incrível! Um gajo com a camisola do Benfica. O meu irmão vai-se passar". Nessa altura havia um uruguaio de quem gostava muito: Maxi Pereira (mas entrentanto muita coisa aconteceu...).



Sim, o Benfica está em todo o lado e é incrível estar a não sei quantos quilómetros de Portugal, há não sei quantos meses longe de casa, e cruzarmo-nos com um uruguaio com uma camisola do Benfica. Somos grandes! (refiro-me aos benfiquistas, claro está, se bem que os restantes portugueses também não ficam atrás). Aqui ficam algumas fotos sobre tudo isto que acabei de relatar:





Segunda percurso: de Montevideo (Uruguai) para Colonia del Sacramento (Uruguai) - cerca de 180km


De Montevideo seguimos para Colonia del Sacramento, pequena cidade à beira do estuário do Rio da Prata (Río de la Plata), aproveitámos assim para fazer uma pequena pausa antes de entrarmos na Argentina via ferry.


Colonia foi um importante centro de transações comerciais na altura dos descobrimentos, não só por ter fronteira marítima com Buenos Aires, mas porque teve, também, colonização portuguesa (antes de fazer parte do monopólio espanhol). Aquando do descobrimento do Brasil, a caravela portuguesa ainda se aventurou por mares mais a sul e chegou até aqui. Estava assim alcançado o marco mais a sul do continente americano por parte da Coroa Portuguesa e o limite fronteiriço do Império Português na América. A proximidade com Buenos Aires facilitava sobretudo as trocas comerciais com a América Espanhola e assim foi, até ao séc. XVIII, quando Portugal entregou este cidade a Espanha. Portanto, não é de estranhar que encontremos vestígios de arquitectura colonial portuguesa por estas bandas. O centro histórico de Colonia está classificado como Património da Humanidade pela UNESCO e, basicamente, foi o que decidimos explorar devido ao pouco tempo que tínhamos disponível.





Mais acima tinha mencionado que a hospedeira do autocarro uruguaio ficou-me na cabeça, certo? Porquê? Porque foi ela que recolheu os passaportes de todos os passageiros. Eu não me recordo de passar a fronteira entre o Brasil e o Uruguai, portanto creio que ela mostrou os nossos passaportes aos serviços fronteiriços enquanto dormíamos. Na manhã seguinte, e a chegar a Montevideo, ela devolveu-nos os passaportes e no meio de cada um, estavam um ou dois papéis com carimbos e assinaturas. Guardei tudo e seguimos o passeio pelas duas cidades uruguaias acima mencionadas. Estávamos prestes a apanhar o ferry que nos levaria até à Argentina e nos serviços fronteiriços dizem que há um problema com o meu passaporte (já não tenho a certeza se foi só com o meu, mas é irrelevante para a história), diziam que faltava um papel. E a partir daqui podia ser um sketch dos Gato Fedorento: "Qual papel?". Ao que parece, faltava um papel qualquer e teria que pagar uma multa para seguir viagem. "Como é que disse?!". Expliquei-lhe a situação do autocarro e que não fui eu a mostrar o passaporte e que poderia ter caído e estar perdido algures e que a culpa também podia ser da companhia de autocarros que deveria estar atenta a estas coisas, já que eu não sei a legislação/burocracia do país. Como haveria eu de saber que, no meio do meu passaporte, deveriam estar três papéis e não dois?! Ainda insinuei que isto podia ser um esquema para enganar turistas, mas o senhor não achou graça e não teve pena de mim: ou pagas ou não passas. Paguei e foi o primeiro sinal daquilo que já nos tinham avisado sobre cuidados a ter nas fronteiras na América do Sul.



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