Killing Eve – O maravilhoso jogo de Sandra Oh e Jodie Comer
- Raquel Pereira
- 8 de mai. de 2020
- 5 min de leitura

Killing Eve é um incrível miminho em forma de série, daqueles que nos fazem ficar presos ao ecrã de pijama durante um fim-de-semana enquanto devoramos os dezasseis episódios das duas primeiras temporadas.
A série começa num café em Viena, onde uma criança sorri para uma mulher sentada noutra mesa, estando ambas a comer um gelado. A criança sorri também para o empregado do café e a mulher, ao vê-lo sorrir de volta, copia a sua atitude (como se não soubesse como agir naquela situação) e sorri também para a criança. A cena, aparentemente inocente e dócil, termina quando a mulher se levanta e, ao sair do espaço, passa pela criança e derruba de propósito com a mão o gelado da criança para cima desta. Esta pequena cena, que pode parecer simplista e desinteressante para os mais distraídos, resume em segundos o tom sarcástico e negro que podemos esperar do humor da série e apresenta-nos de cara uma das mulheres da dupla que vamos acompanhar neste jogo de gato e rato, Oxana Vorontsova ou Villanelle, uma assassina russa interpretada de forma magnifica pela actriz inglesa Jodie Comer, interpretação essa que já lhe valeu várias nomeações e prémios em cerimónias internacionais.
Villanelle é o oposto dos assassinos típicos que as series de televisão geralmente nos apresentam (pensemos em Walter White ou Barry, por exemplo, metódicos, calculistas, tímidos e com dificuldades em relacionamentos sociais), é divertida, satírica, excêntrica, e odeia passar despercebida optando por causar espectáculo com mortes dramáticas e que chamam a atenção. O seu guarda-roupa colorido, cheio de peças de marca, espelha a sua personalidade exuberante e barulhenta e tornou-se numa das imagens de marca da personagem. As figurinistas Phoebe De Gaye (1ª temporada) e Charlotte Mitchell (2ª temporada) apostaram em peças marcantes de marcas como Dries Van Noten, Chloé, Alexander McQueen, Burberry ou Miu Miu sem esquecer o já icónico vestido cor-de-rosa de Molly Goddard com botas pretas Balenciaga que entrou directamente para os boards do Pinterest de meio mundo (compreendo, também matava por aquele pedaço de céu).

Para além de ter como hobbie gastar dinheiro em roupas de marca, Villanelle gosta de desanuviar da árdua e stressante vida de assassina através do ocasional ménage à trois, de namoros ocasionais com desconhecidos de ambos os sexos (meninos e meninas, cuidado porque estes affairs podem acabar mal), ou de assustar o seu informador fingindo-se de morta através de todo um teatro pensado e ensaiado que inclui um cuidado especial com o cenário e a maquilhagem. É espampanante, gozona e irónica e tem um poder de atracção magnetizante.

No pólo oposto temos a personagem de Eve Polastri, interpretada também de forma magnifica por Sandra Oh (aiiii que saudades da Cristina Yang e de quando a "Anatomia de Grey" me prendia ao ecrã e me fazia chorar hora a fio) uma agente do MI5, casada e casada e feliz, mas entediada numa vida pacata e sem grandes sobressaltos, e cuja maior insatisfação se prende com a sua ocupação profissional, presa numa vida de agente secreta bem chata, sentada numa secretária a tratar de papéis e longe da acção e a emoção dos filmes do James Bond.
Quando um político russo é assassinado em Viena e Eve é chamada a participar na resolução do caso, tudo corre tão mal que esta acaba despedida. Porém, o seu interesse pela psicologia dos assassinos femininos e as várias investigações paralelas que faz nesse sentido são interceptados por Carolyn Martens (Fiona Shaw) sua superior e chefe do comité de investigação russa no MI6, que a coloca a dirigir uma pequena equipa para descortinar os eventos em Viena, o que a leva a investigar uma série de assassinatos que pensa terem sido cometidos por uma mulher. É quando começa a perseguir esta misteriosa personagem que a sua vida vai mudar, e a obsessão mútua que Eve e Villanelle desenvolvem uma pela outra vai levá-las a um perigoso jogo do gato e do rato, onde o perseguido e o perseguidor vão invertendo papéis, e vão arriscando tudo, pondo de lado os as suas missões originais e ignorando os seus objectivos primordiais para se aproximaram uma da outra, numa tensão pulsada que chega a roçar o sexual, e cuja dualidade balança entre inimigas amargas ou potenciais amantes.
Se para Eve, Villanelle é inicialmente um complexo mistério que parece impossível de descortinar, conseguindo posicionar-se sempre um passo à sua frente, à medida que as personagens se vão cruzando e tendo angustiantes frente-a-frente, Villanelle acaba por se tornar uma hipótese de Eve escapar de uma existência mais chata e representa a abertura para viver uma aventura. Já para Villanelle a obsessão com Eve começa com... o seu cabelo encaracolado, mas vai-se tornando uma diversão, alguém com quem tem prazer em ir jogando e assistindo ao outro peão mover-se ao seu encontro. Phoebe Waller-Bridge caracteriza esta complexa relação como "give each other life in a way that’s more complex than a romantic relationship. It’s sexual, it’s intellectual, it’s aspirational."
A história destas duas personagens vai dar várias reviravoltas e em Killing Eve muitas coisas não são o que aparentam, ou afinal serão?
Para além destas duas personagens e da já mencionada Carolyn Martens, destaque ainda para Konstantin Vasilieve (Kim Bodnia) o contacto de Villanelle com a organização Twelve, que lhe entrega e ordena os assassinatos a executar e com quem ela protagoniza cenas absolutamente deliciosas; Niko Polastri (Owen McDonnell) marido de Eve, que vai assistindo à obsessão imparável da mulher e ao crescente conflito psicológico em que esta se vai afundando; Bill Pargrave (David Haig) chefe de Eve ou o querido Kenny (Sean Delaney) o cérebro informático que consegue descobrir tudinho através de um computador.
Se existe alguma familiaridade com este tipo de trama que inclui perseguição polícia versus assassino, o que Killing Eve trás de novo vai para além do facto de serem duas mulheres a ocupar os lugares principais, mas deriva também daí. Estas história não é apenas um thriller ou um policial, é também um drama e uma comédia, uma subversão do género e uma lufada de ar fresco na forma e no formato não apenas deste tipo de narrativa mas naquilo que uma série pode ser "It’s a spy thriller that moves with the languidness of an indie comedy, a tight procedural that allows for vast gulfs of idiosyncrasy, a stylish story of obsession and psychopathy that’s disarmingly warm and lived-in. It’s a TV show that undermines every rule of TV, Prestige/Peak or otherwise – sauntering when we expect it to gallop and snickering when we expect it to posture." escreve Jenna Scherer num artigo para a revista Rolling Stone.
Adaptada dos livros de Luke Jennings, Codename Villanelle pela mão da maravilhosa e fofinha Phoebe Waller-Bridge (Crashing e Fleabag – se ainda não viram esta última Shame on You!) que assume também o papel de showrunner e produtora executiva, a sua marca está bem patente em todo o argumento, recheado de inteligência, humor e idiossincrasias deliciosas. Acredito que escrever (e interpretar) uma personagem como Villanelle seja uma maravilha, pela imensa possibilidade de caminhos sempre carregados de humor e contradições que esta menina nos dá. O trabalho incrível de Phoebe leva-as muito mais longe e as personagens dão-nos momentos únicos de humor, tensão e suspense, muitas vezes numa mesma cena, num trabalho de equilibrismo entre comédia e tragédia. A psicologia de ambas as personagens é amplamente aprofundada e explorada e as duas actrizes interpretam estas duas mulheres de forma extrondosa. Phoebe Waller-Bridge acabou por assumir apenas o papel de produtora executiva, sendo a showrunner da segunda temporada Emerald Fennell e Suzanne Heathcote da terceira.
Produzida no Reino Unido por Sid Gentle Films para a BBC America, Killing Eve tem sido aclamada pela crítica e tem merecido destaque em várias cerimónias de entrega de prémios. A estreia da terceira temporada acabou por ser antecipada para nos acompanhar a todos nesta quarentena, e teve então início no passado dia 12 de Abril e pode ser vista por cá na HBO Portugal. Confesso que ainda não vi e estou a aguardar que saiam todos os episódios, para me sentar no sofá e conseguir ver tudo de seguida, tal qual uma viciada.
Para quem ainda não viu nada, fica o trailler da primeira temporada.
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