High Fidelity: Desgostos de amor embrulhados em boa música
- Raquel Pereira
- 30 de abr. de 2020
- 6 min de leitura

“All-Time Top Five Most Memorable Heartbreaks” - Se há uma frase que resume High Fidelity é esta, e é com ela que vamos às cinco histórias de amor falhadas de Rob, sendo provável que pelo meio façamos uma perninha à nossa história e acabemos a pensar nas nossas também. Porque… desgostos de amor e aquele clássico feeling loser… quem nunca, não é?
A história de High Fidelity – Alta Fidelidade, uma aposta da Hulu, começa quando Robyn “Rob” Brooks (Zoë Kravitz) sentada no sofá da sala da sua casa, enfrenta o fim de mais uma relação amorosa, neste caso com aquele que ela vê como o seu grande amor, o "real deal" Russell “Mac” McCormack (Kingsley Bem-Adir). Vemos o momento chave em que ele pega nas suas coisas para sair de casa e ela o tenta demover e vemos também o depois, quando a porta se fecha e a Rob fica sozinha. Com quase 30 anos e a enfrentar o final de mais uma relação amorosa, Rob, viciada em listas de top 5, faz precisamente o top 5 dos seus maiores desgostos de amor. Revisitar histórias de amor falhadas pode aventurar-se como doloroso o suficiente, mas não contente, e com uma ligeira tendência para obcecar sobre estas questões, Rob decide procurar estas cinco pessoas para perceber o que correu mal na relação e o porquê de estar condenada a ser deixada (má ideia, não tentem isto em casa!).
É através destas cinco histórias de amor falhadas que a vamos conhecer, desde o seu primeiro amor, Kevin Bannister, cuja relação durou 5 horas, até ao momento presente, quando reencontra Mac, um ano depois do término, quando se preparava para um encontro. É também através destas histórias que mergulhamos no mundo emocional caótico do pós final de relacionamento e das suas diversas obsessões, que incluem passar horas, dias, semanas e meses a pensar ao mais ínfimo pormenor, em tudo o que correu mal, no minuto que falhou e onde tudo acabou por se desviar, no que poderia ter feito diferente, no que fez e não deveria ter feito e no que não devia ter feito e fez. Com a Rob estamos todos nós destroçados e embrenhados nas mentiras que dizemos aos nossos amigos do “Estou bem! Está tudo impecável! Quem? Já nem me lembro do nome” e passado meio minuto estamos obcecados a vasculhar as redes sociais do outro em modo farrapo humano e a transpirar autocomiseração.
Mas no meio da amálgama de sentimentos e dos seus contínuos desgostos amorosos, Rob é interpretada pela Zoë Kravitz (a filha do Lenny Kravitz e da Lisa Bonet, que nos vem provar a todos que a genética é realmente uma bênção), e esta menina é a epítome do que é ter um ar cool, vestindo-se sem qualquer esforço e alcançando a perfeição. Além destes pequenos pormenores, a personagem consegue viver da sua loja de vinis e ainda ter dois empregados com ela, ter um apartamento muito fofinho em Brooklyn, com uma banheira incrível para os tão apetecidos banhos de espuma, e ainda ser DJ nas horas vagas. Acreditem que deve ser muito diferente um desgosto de amor em Nova Iorque e um em Torres Vedras só com um pequeno poliban. Na verdade, quem me dera que cada vez que tive um desgosto de amor tivesse o ar cool da Zoe e não parecesse um zombie maltrapilha com olheiras ate aos pés. Devo acrescentar que é uma pena as séries não imitarem a vida real neste ponto e lanço aqui o repto para iniciar uma petição que obrigasse a todos os finais de relacionamento reais a terem determinadas condições.
Obcecada com música desde criança (as suas listas incluem temas como Top 5 Desert Island Artists), Rob é então dona da loja de vinis Championship Vinil em Crown Heights, Brooklyn, e brinda-nos com interessantes dissecações sobre artistas, músicas, o (mau) gosto musical de ex-namorados ou a arte necessária para criar uma uma playlist. A par das dores de crescimento que os desgostos de amor obrigam, a música é a outra estrela da série, indo muito além de banda sonora. Para isso, foram chamados como consultores musicais Manish Raval e Tom Wolfe (Green Book), e ainda Questlove dos The Roots, que em conjunto com os produtores executivos, onde se inclui Zoë Kravitz, trabalharam na escolha milimétrica da banda-sonora da série, onde incluíram Fleetwood Mac, David Bowie, Otis Brown, Frank Zappa, Marvin Gaye, Paul McCartney, Prince, Beastie Boys, Aretha Franklin, Talking Heads, Janet Jackson, Nina Simone, entre tantos outros (procurem High Fidelity Official Playlist no Spotify para ouvirem a banda sonora completa).
High Fidelity parte da adaptação do livro homónimo de 1995 da autoria de Nick Hornby, um romance passado em 1980, em Londres, que foi depois adaptado ao cinema em 2000 e à realidade americana de Chicago. O filme realizado por Stephen Frears foi protagonizado por John Cusak, um verdadeiro loser com o peso do mundo em cima de si e as dores de amor à flor da pele. Também ali o Rob de Cusak é o dono de uma loja de vinis em luta interna após o fim de uma relação amorosa, a fazer o teu top 5 de relações falhadas e a tentar contactar esses amores passados para descobrir o que falhou. Jack Black e Todd Louiso são os amigos e empregados da loja de vinis e Lisa Bonet entra no filme como uma cantora que acabará por se envolver com Rob durante uma noite, evento que também tem lugar na série, num encontro entre Rob e o cantor Liam Shawcross (Thomas Doherty).
Com High Fidelity comecei por ver a série e só depois vi o filme com Cusak (não li o livro original) por isso os meus pontos para comparação focam-se apenas nestes dois. E é muito curioso vinte anos depois do lançamento do filme voltarmos a este universo e vermos a sua adaptação aos dias de hoje e sob o ponto de vista de uma mulher. A saída do universo masculino e este novo olhar de Rob permitem alterar a perspectiva e integrar novas problemáticas nesta história, aliado ao facto de ser uma série com 10 episódios, o que possibilita um maior tempo para explorar as histórias de Rob e os seus desgostos.
Ao olharmos para os dois universos, existem muitas semelhanças e a série evoca muitas das cenas e das histórias do filme: Rob a chorar à chuva, à porta do seu número 2 do top, e a implorar por uma segunda oportunidade (sendo que na série o número 2 é Kat Monroe e é a sua relação homoxessual); o telefonema para a mãe de Kevin Bannister (o que confesso, agora no século XXI e em modo smartphone não parece tão credível); os sábados na loja; as discussões sobre música entre os funcionários e clientes; a perseguição aos jovens que tentam roubar uns vinis na loja; o one night stand com o cantor; até a t-shirt da Dickies que é usada por Cusak é também usada por Kravitz, mas foram isso ela tem um olho para a moda que ele claramente não tem.

Penso que o que o ponto de vista feminino trás de uma forma refrescante é a forma como as mulheres encaram a sua vida amorosa nos tempos de hoje. Se a mais comum protagonista das comédias românticas é geralmente uma mulher à procura do amor, e no final encontra-o para perceber que ele esteve sempre ali na pele do melhor amigo, ou do personagem que ela inicialmente odiava, e acabam felizes para sempre, aqui Rob foge aos estereótipos, e vive o que qualquer mulher vive na realidade de hoje, uma serie de relações e tentativas no meio de diversas histórias possíveis. Rob vai mostrar que o problema não são eles nem elas mas é sim uma luta interna e de crescimento pela qual ela tem que passar. A complicação e a intensidade desses sentimentos torna-se uma história mais interessante de contar.
Outra das coisas que a série explora são os personagens secundários, havendo um episódio totalmente dedicado à história de Simon (David H. Holmes), o ex-namorado gay de Rob, tornado melhor amigo, que vai também fazer o top 5 das suas relações falhadas, e cuja história foi baseada na ideia de um dos escritores da série, que conseguiu fugir ao convencional e entrar por um caminho bem interessante. Falta ainda conhecer Cherise (Da’Vine Joy Randolph), a outra empregada da Championship Vinil, com quem damos umas boas gargalhadas mas cuja história nesta temporada fica ainda obscura, e que esperamos seja desvendada numa segunda temporada de High Fidelity.
A série foi desenvolvida por Veronica West e Sarah Kucserka e estreou precisamente a 14 de Fevereiro, essa data tão simbólica para falar de histórias de amor, com finais felizes ou infelizes. Uma segunda temporada ainda não foi confirmada até à data mas esperemos que hajam novidades em breve, pois gostaria imenso de ver onde a história de Rob nos vai levar.
Podem ver aqui o trailler da primeira temporada.
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