2020: O ano sem concertos?
- Patricia Reis
- 6 de jun. de 2020
- 6 min de leitura
Atualizado: 7 de jun. de 2020

Corria o agora longínquo ano de 2019 e começavam a ser anunciadas os primeiros nomes que iam encher salas e recintos de espectáculos para concertos ou festivais de 2020. Apesar de algumas desilusões com alguns festivais sempre tão promissores (sim, Nos Alive, esta é para ti), o ano parecia estar a compor-se no que toca à qualidade dos artistas que iriam passar pelo nosso país. Desde Nick Cave (podem ler aqui o artigo da Patrícia), a Gun N' Roses ou Foo Fighters no Rock in Rio, entre muitos outros. A título pessoal - Raquel - o concerto que vi deles no Nos Alive de 2017 entrou para o top dos melhores concertos que já vi ao vivo. A energia do Dave Grohl em palco é qualquer coisa de sensacional. É um animal comprometido a dar tudo pelos fãs e a energia dele contagia qualquer um (a Patrícia quer acrescentar que sente uma dor imensa por não ter ido a este concerto - falha grave no seu repertório). Como boas alunas que somos, o bilhete já estava comprado e guardado a sete chaves. Até que alguém decidiu comer um morcego mal cozido e foi tudo por água abaixo.
Mas não foram só os planos de Foo Fighters & Cia no Rock in Rio e Guns N' Roses, entre outros pequenos concertos e festivais que iríamos certamente como costumamos fazer (desde concertos e convidados no Lux, até ao Lisb_on Jardim Sonoro e para mim - Patrícia - o Festival Músicas no Mundo em Sines, entre outros, costumam ser paragens obrigatórias para nós todos os anos). Provavelmente o concerto mais excêntrico do ano e aquele que nos estava a deixar com os cabelos em pé, seria a ida a Londres para ver Pearl Jam e Pixies, em Hyde Park. Já tínhamos sido umas privilegiadas por ver estes meninos no Nos Alive de 2018 e Eddie Vedder a solo no Altice Arena em 2019. Mas ir a Hyde Park era subir a parada. Hyde Park é um local mítico que conta com dezenas de concertos memoráveis que remontam até à década de 60 - Fleetwood Mac ou The Rolling Stones foram logo dos primeiros, passando por Pink Floyd, Eric Clapton, Queen, Elvis Costello ou Luciano Pavarotti. A lista continua e os grandes nomes também. Hyde Park é um marco na carreira de muitos. Mais recentemente, em 2013, os Stones regressaram a este palco, 44 anos depois da última actuação, e não só é um dos melhores concerto deles (nesta era mais recente da carreira deles), na minha opinião, como na altura atingiu um recorde de venda de bilhetes - em 3 minutos, estes senhores, esgotaram o parque. Já não seria a primeira vez que Pearl Jam iria a este local - em 2010 eles também aqui tocaram, num concerto com um alinhamento incrível - e nós íamos vê-los agora, em 2020, aguardando igualmente por uma setlist cheia de sucessos, músicas que nos marcaram, e ainda marcam, e que sabemos as letras de cor. Nós íamos a Hyde Park, caraças! Íamos fazer parte dessa história e guardar para sempre memórias deste concerto - daqueles que contamos quando formos velhinhas.
Pearl Jam - "Alive" / Hyde Park 2010
Hoje, ao escrevermos estas palavras, dia 4 de Junho, já sabemos qual o futuro desses concertos - adiados ou cancelados. Não haverá nada até 2021. O concerto de Nick Cave foi reagendado para Maio do próximo ano, a solução adoptada para o concerto de Guns continua por desvendar, Foo Fighters & Cia estão confirmados para Junho do próximo ano, e Pearl Jam em Hyde Park, cancelado para já, com devolução do dinheiro, aguardando com expectativa que consigam reunir condições e o mesmo cartaz para 2021. No espaço de dois meses, vimos os nossos planos (e os de toda a gente) completamente alterados ou em stand by. Maldito morcego. Esta semana demos por nós a conversar como seria um ano sem música ao vivo?
Muitos são os artistas que têm disponibilizado vídeos com várias edições especiais ou raras de concertos. Sinceramente não sabemos se é melhor vê-los ou não. Sempre que nos pomos a ver ou a rever grandes concertos, é inevitável não sentir um aperto no peito: quando poderemos estar ali outra vez sem pensar em desinfectante e máscaras? Quando é que isto regressa ao normal como dantes? Sentimos que a nossa vida, nos últimos tempos, se tornou um cliché, saído de um filme muito piroso cheio de frases feitas, mas a verdade é que eram pequenas coisas como estas que dávamos como garantidas que tornavam tudo muito melhor. Eram estes planos e estas hipóteses que nos faziam contar os dias.
Recordamos perfeitamente o dia em que Pearl Jam, que há tanto queríamos ver, foram anunciados no cartaz do Nos Alive de 2018. Eu, Raquel, estava em Sevilha, a passar o fim-de-semana prolongado do 1 de Dezembro, a tomar o pequeno-almoço no hotel, e ia-me engasgando quando vi a confirmação. Entre mais de mil mensagens trocadas e vários desatinos com o MbWay, não descansamos enquanto não garantimos que naquele mesmo dia tínhamos os bilhetes comprados. E nos meses que se seguiram, não vos consigo pôr por palavras quantas vezes pensei no momento em que iria ver Eddie Vedder e companhia subir ao palco e nos segundos em que iria ouvir os acordes iniciais do "Alive" ecoar em Algés (arrepios malta, muitos arrepios).
No outro dia saiu um artigo na revista do Expresso em que Hubert Heeves (astrofísico canadiano e ecologista fervoroso) dizia que a música tem um papel muito importante na vida dele. Com os seus quase 90 anos, dizia que não havia dia nenhum que passasse em que não ouvisse música. A certo ponto comparou um concerto como uma ida à igreja, no sentido em que nos deixam sem palavras, exactamente por serem, ambas, experiências em que nos entregamos a algo superior a nós. Interessante esta visão e relação quase espiritual que se pode vivenciar num concerto. A música, de facto, pode ter esse efeito sobre nós. Como descrever um espaço onde se reúne um conjunto de fãs (fiéis/crentes) para ouvir os dizeres e cantares de um artista (padre/sacerdote) onde todos sabemos a letra de cor de várias canções (homilias), onde de repente somos todos irmãos, onde assistimos a confissões, chamamentos, passando por momentos de êxtase e pura epifania, para no fim sairmos do recinto de alma lavada. Erguei os braços (bênção) e rock on (amén) minha gente! Já assisti a missas mais aborrecidas e menos inspiradas do que grande parte dos concertos de música que vivenciámos.
Neste sentido, e espero não ofender nenhum crente praticante com esta comparação, mas como passar um ano sem assistir a um concerto? Como seria se não pudesse ir à missa caso fosse uma religiosa fervorosa e praticante? Dir-me-iam que poderia sempre falar com Deus onde quer que estivesse, que ele está dentro de mim e que ele me ouve, que não precisaria de me deslocar a um edifício religioso para atingir esse fim. Tudo verdade, mas há uma ligação, um ritual, um contacto, que não é atingido quando não nos deslocamos ao local de culto. No caso dos concertos passa-se o mesmo. A nossa relação/fé na música mantêm-nos sãs, ligadas, conectadas com algo superior a nós. Está ali, à nossa frente, o(s) artista(s) que tanto admiramos, que tanto ouvimos, que tanto respeitamos, que tanto ansiamos por ver. No concerto de Eddie Vedder no Altice Arena, o ano passado, uma senhora levava um cartaz em que dizia algo como: your music saved my sanity. O Eddie escolheu este cartaz para lê-lo em voz alta para todos nós, ficou eternamente grato e impressionado. ´Wow' disse ele abalado pondo a mão na testa, como quem diz, "eu fiz isso tudo?". Também ele partilhou connosco que concordava que a música nos podia manter sãos, inclusivamente a ele.
E a arte tem-nos salvo neste período difícil em que o mundo parece ter ficado virado do avesso. A obrigatoriedade do recolhimento e o isolamento a que estamos sujeitos levou-nos a procurar ainda mais as criações artísticas para nos ajudar a ultrapassar o peso do presente ou a reflectir sobre o mesmo. É essa a beleza da arte, seja ela no formato de uma série, de um filmes, de um livros, ou de uma música. Leva-nos para longe ou traz-nos ainda para mais perto de nós mesmos, muitos vezes em simultâneo.
Muito provavelmente o regresso a concertos e festivais, ou tudo o que seja grandes aglomerados de pessoas, será das últimas coisas a regressar à normalidade na fase pós-covid. Há quem diga que só no segundo semestre de 2021 - daqui por um ano e tal, portanto. Como é que nos adaptamos a isto? Como é que ficamos um ano e meio sem ir a um concerto, a um festival, a uma ida a uma discoteca, a um bar com música ao vivo? E a importância da música, agora e sempre, e ao mesmo tempo a impossibilidade de a vivenciarmos como gostaríamos, ao ar livre, rodeadas de pessoas, a cantar em uníssono "aquela" música, para nós, é das coisas que mais sentiremos falta este ano. Fica a sensação de vazio e de interregno difícil de engolir.

Para nos animar, resta-nos ficar já com os olhos postos em 2021, e ver os cartazes de festivais que começam antecipadamente a ser anunciados, cheias de esperança que no próximo ano estes possam acontecer em segurança e que possamos regressar ao que nos faz feliz. Façamos figas com os nomes que irão aparecer e esperemos que Pearl Jam remarquem Hyde Park na sua tour de 2021 pela Europa e pisquemos já os olhos ao incrível cartaz do Primavera Sound de Barcelona. Quem sabe 2021 seja o ano de regressar também àquela cidade espanhola e ver finalmente The Strokes e os queridos Tame Impala da Raquel.
Patrícia & Raquel
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