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10 Anos de Patagónia - Parte III

  • Foto do escritor: Patricia Reis
    Patricia Reis
  • 2 de mar. de 2020
  • 8 min de leitura

Atualizado: 2 de abr. de 2020


Até hoje, nunca estive em nenhum sítio que me tivesse deixado sem palavras como deixou o Glaciar Perito Moreno. Não que tenha viajado muito, ou visto assim tanta coisa. Fora a extravagância da América do Sul e do meu intercâmbio no Brasil, o costume são as viagens no centro da Europa. Cidades lindas e/ou exuberantes, culturas polidas e pessoas civilizadas, pardais, cães, gatos e um esquilo ou outro. Conheço alguns países europeus e várias cidades dentro de cada país e nunca tinha estado - nem nunca a experiência se igualou nos anos seguintes até hoje - num local onde tivesse pensado: toda a gente tem que ver isto. Eu quero trazer aqui toda a gente que eu conheço. Isto é inacreditável. Passo a mostrar o que tinha à minha frente:



O Perito Moreno é um glaciar formado numa encosta do Parque Natural Los Glaciares e tem cerca de 250km2 de área de gelo e neve. O término, "parede", à minha frente tem cerca de 5km de largura e 70m de altura (equivalente a um prédio de 18 andares) acima do nível da água. Abaixo desta linha estão cerca de 170m de gelo submerso. É a terceira maior reserva de água doce do mundo e é dos poucos glaciares que não está a decrescer, pelo contrário, a quantidade de água que perde face à quantidade que ganha ao longo do ano é bastante equilibrada.


O dia estava cinzento com algumas nuvens carregadas sobretudo no topo da encosta por onde o glaciar desce. De vez em quando ouvia-se um estilhaçar e, inicialmente, pensei que fosse trovoada ou queda de relâmpagos algures no topo do cume. Mas não, o som do estilhaço vinha do glaciar e ecoava pela encosta, duplicando ou triplicando o efeito sonoro, parecendo ainda mais aterrador. O glaciar não aguenta a pressão do peso da neve que se acumula no topo, pressão essa que vai descendo por aí fora até chegar ao término, cá em baixo, onde estamos. O estilhaçar é o som de partes do glaciar a rachar e a soltarem-se, caindo sobre o lago. Só conseguimos assistir a pequenas quedas, mas geralmente de tempos a tempos, há registo de grandes pedaços de icebergues que se soltam do glaciar principal - sorte de quem os apanha. Também é de referir a dor de cabeça instantânea com que fiquei. O ar frio que desce desde o topo das montanhas, usando aquele "braço" de glaciar como rampa de lançamento, atingiu-me mesmo na testa, em cerca de dois minutos mal conseguia abrir os olhos. Nota: tinha mesmo que ir comprar roupa e acessórios adequados para aquele clima.


No lago, apanhámos um barco (em Calafate comprámos um pacote turístico para visitar o glaciar que incluía o transporte de autocarro até ao glaciar - ida e volta - e um pequeno tour de barco pelo lago) que faz uma pequena viagem e nos leva até muito perto da parede de gelo. Contam algumas das curiosidades que aqui descrevi e quase que se consegue tocar nos pedaços de gelo que flutuam na água. É impressionante, vale mesmo muito a pena. Para os mais aventureiros, também há a opção de fazer trekking no topo do glaciar com percursos curtos ou longos, para quem já tiver mais experiência.


Aqui vão algumas fotos e vídeos. Tenho pena de não ter conseguido transmitir a escala do "bicho", as referências à volta eram muito poucas. Mas é uma questão de tentar imaginar um prédio de 18 andares ou olhar para a terceira foto, onde aparece o barco onde viajámos, para ter uma referência de escala. 








Oitavo e nono percursos: de El Calafate (Argentina) para Rio Gallegos (Argentina) e de Rio Gallegos para Ushuaia (Argentina) - cerca de 300km + 600km


Aparentemente seria uma viagem de duração média, tendo em conta o que já tínhamos feito até aqui, só que olhando novamente para o mapa da cauda do continente que publiquei há uns parágrafos atrás, dá para perceber que para entrarmos na provincia da Terra do Fogo, Antártica e Ilhas do Atlântico Sul, tínhamos que entrar no Chile e voltar a sair. E isto significa o quê? Serviços fronteiriços. Para além disso, também tínhamos que atravessar o canal do Estreito de Magalhães de ferry. Quando eles apelidaram aquilo de Fim do Mundo e Tierra del Fuego não estavam a brincar. Portanto estes 600km demoraram umas 11h a fazer.


Vale a pena ver este pequeno vídeo da travessia do Estreito de Magalhães que coloco a seguir. O nome deriva de Fernão Magalhães (esse muy nobre português) ter sido o primeiro europeu a atravessar este estreito por volta de 1520 aquando da circum-navegação. Já tinha dito que estávamos em todo o lado? Este estreito separa o Oceano Atlântico do Pacífico, chegámos lá abaixo, "à curva". Daqui para baixo, só a Antártica. Caraças! A travessia é difícil e o estreito, apesar de curto, cerca de 20min navegáveis, tem uns ventos e correntes fortes. Se a memória não me falha, juntaram-se a nós uns pinguins (no mar, não no barco, claro está), cruzando o estreito, lado a lado, connosco. Excepto o vento e o facto de não saber se chegávamos inteiros à outra margem, foi espectacular. O embarque e desembarque, para espanto meu, é feito directamente na praia. Há uma estrada que acaba mesmo à beira da linha de água do Estreito. De autocarro, na areia, na água... Ok, vou parar. Eis o vídeo:







Chegamos a Ushuaia já de noite. Devo dizer que chegar a esta cidade também é outro festim para os nossos olhos. Antes de chegarmos à baía onde está instalada esta bela terriola, atravessamos os últimos vestígios da cordilheira dos Andes. Não é que impressionem por serem picos altos (creio que, nesta zona, o ponto mais alto tem 1500m, aproximadamente), mas o facto de andarmos uns quilómetros entre curva e contra curva no meio das montanhas, com vestígios de neve, e desembocar numa cidade plantada à beira mar (um canal para ser mais específica), sabendo que é a cidade mais ao sul do mundo, torna esta chegada muito especial.


Continuando, é de noite, e está um frio de rachar, seguimos, rapidamente, para um alojamento. Este é bem catita também. Construção de madeira, tipo chalé, situado numa encosta e com uma vista bem bonita sobre a cidade - a sala de refeições tinha uma janela enorme para meu próprio deleite enquanto tomava o pequeno almoço. Aqui conhecemos muitos viajantes, muita malta jovem que parou em Ushuaia não só para visitar a cidade em si, mas para interiorizar o marco na sua viagem e fazer uma pausa. A "dobra" do continente, a chegada ao fim do mundo, a entrada para a Antártida. Encontrámos muita gente a fazer o inverso de nós, ou seja, descer pelo Chile e subir pela Argentina, trocámos dicas e ideias sobre o que vimos e o que queremos fazer e, encontrámos, ainda, um casal norte americano que fez, nada mais nada menos que, largar os empregos, vender o carro e a casa e pegar nesse dinheiro e fazer uma viagem: descer, junto ao Oceano Atlântico, o continente americano, desde os EUA, até à Argentina e subir novamente, desta vez pelo lado do Oceano Pacífico, terminando novamente nos EUA, em São Francisco, se não me engano. Nós encontramo-los na "curva", lá em baixo, em Ushuaia. Esta cidade é palco de umas quantas histórias fantásticas, não só dos habitantes mas também dos que por lá passam.


Nós também aproveitámos esta cidade para respirar um pouco...e para lavar roupa. Ainda não tinha contado este detalhe, mas para quem leva só sete mudas de roupa, lavar roupa era fundamental, ou seja, mais ou menos de semana a semana, ou sempre que estivéssemos numa cidade maior, tínhamos que procurar uma lavandaria e colocar toda a nossa roupa a lavar. Ushuaia também significava que tínhamos realizado metade da viagem e começávamos a acusar o cansaço. Portanto prolongámos a nossa estadia por mais um dia do que era suposto, até porque estávamos mesmo a gostar de estar ali. Mas mais importante que isso, e antes de mais nada, era urgente ir a uma loja comprar algo mais quente para vestir. Colete, luvas, cachecol e uma fita para a cabeça (adeus dores de cabeça) polares. Creio que se tiver a parte de cima do corpo quente, o resto aguenta-se. Confirmou-se.


Ushuaia não é uma cidade muito grande, estamos a falar de cerca de 57.000 habitantes, e até há bem pouco tempo a sua população era bastante reduzida. Só a partir de metade do século XX, e com o desenvolvimento de mais estruturas e equipamentos, é que se fixaram mais pessoas nesta região, aumentando o turismo, consequentemente. Até então, Ushuaia só era conhecida pelo estabelecimento prisional que aqui existia - enviar os presidiários para o Fim do Mundo, tinha a sua graça. Aproveitámos para visitar esta prisão, actualmente museu e conhecer um pouco mais da história desta zona distante do planeta. Andámos muito a pé pela cidade, cheia de slogans "mais ao sul do mundo", desde o restaurante, ao posto dos correios, ao farol, tudo, mais ao sul do mundo. Fizemos, ainda, a viagem de barco pelo canal Beagle que nos permitiu visitar umas pequenas ilhas com colónias de focas e leões marinhos e outra ainda de pinguins. Importa também referir que foi aqui que íamos mandando o resto da viagem pelo cano abaixo.


Estávamos muito bem a passear pelas ruas da cidade e vemos uma montra com uma placa que dizia: Antártida - Últimas Partidas. Parámos e olhámos bem para aquela montra..."E se?"... Sim, a ideia era boa, mas implicava uma série de responsabilidades e cuidados de saúde. Primeiro, tínhamos que realizar uns exames médicos e garantir que estávamos bem de saúde, ou pelo menos sem problemas graves. Tenho ideia que aconselhavam a tirar o apêndice, também. Isto porque estando na Antártida, as transportadoras e os seguros de viagem, não garantiam que conseguissem colocar-nos num hospital em menos de 24h. Na altura, creio que foi isto que nos disseram. Segundo, rebentávamos completamente com o resto do orçamento da viagem e mais algum, claro, mas qual era a probabilidade de termos outra oportunidade para ir à Antártida? Enfim, por enquanto, lá deixámos ficar o apêndice, esta viagem vai ter que ficar para outra aventura.


Algumas fotos que o texto já vai longo:




A sair de Ushuaia e os planos voltam a mudar, desta vez a sério. Recapitulando, a ideia, agora, era seguir, pelo lado argentino, junto à Cordilheira dos Andes até Bariloche, pela mítica ruta 40. A ruta 40 está para a Argentina como a route 66 está para os EUA, só que esta atravessa o país de Norte a Sul. Começa em Rio Gallegos, onde já tínhamos estado, e termina na Bolívia, sempre paralela aos Andes. Dizem que tem paisagens de cortar a respiração e, ora vamos em alcatrão ora vamos em terra batida. Em Bariloche fazíamos uma paragem e depois seguíamos até Mendoza (ainda pela ruta 40). Daqui atravessávamos os Andes e estávamos no Chile, rumo a Santiago. Este era o plano. O que é que correu mal? A viagem de autocarro até Bariloche estava muito cara e ía demorar muito tempo. Passo a explicar, a mítica ruta estava cada vez mais turística, os autocarros eram escassos e o percurso era difícil, o que fez com que o preço dos bilhetes disparasse. Para além do preço, havia o factor tempo. Eu tinha mesmo que estar no Brasil no dia 1 de Março, data limite para renovar o meu visto. Se mantivéssemos o plano tínhamos que regressar a Rio Gallegos - 12h de viagem - e apanhar outro autocarro que faria a ruta 40 até Bariloche e só este percurso duraria cerca de 25h (relembro que grande parte da viagem era feita em terra batida). Dia e meio para chegar a Bariloche e gastar uma pipa de massa. Olhando para trás, já estávamos a ficar curtos de tempo, tínhamos acrescentado mais um dia em Ushuaia, outro em Buenos Aires (se não estou em erro), e com as trocas em Rio Gallegos e a demora a chegar ao fim do mundo, já não íamos bem com 15 dias de viagem, e sim mais. O dinheiro também estava a voar fácil e houve extras que não ajudaram nas contas de balanço de meio do mês, as dormidas a mais, a roupa quente, mais uma coisa aqui e outra ali, e já estava na altura de começar a fechar a torneira. Com muita pena, colocámos a ruta 40 de parte. Que fazer? Como saímos daqui? Avião, para Santiago? Não. Avião, sim, mas para Buenos Aires, outra vez! Como era uma viagem nacional estava bem mais barata do que para a capital chilena e o facto de voltarmos a passar mais uma noite em Bs As, agradou-nos bastante. Para além disso, atravessávamos a Argentina desta vez, de Este para Oeste e mantínhamos o plano de atravessar os Andes via terrestre de modo a fazer uma das dez estradas mais perigosas do mundo (na altura, pelo menos era). Assim foi, Buenos Aires, aqui vamos nós.





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