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Museu Gulbenkian comemora 50 anos com "Art on Display. Formas de expor 1949-69"

  • Foto do escritor: Raquel Pereira
    Raquel Pereira
  • 27 de fev. de 2020
  • 7 min de leitura

Atualizado: 3 de abr. de 2020


O Museu da Fundação Calouste Gulbenkian comemorou 50 anos em 2019, e para assinalar a data inauguraram a exposição Art on Display. Formas de expor 1949-69 uma mostra sobre museografia que pretende por um lado, enunciar as soluções expositivas encontradas para o museu na sua abertura em 1969, e por outro recriar algumas das diferentes formas de expor em voga durante o período entre 1949 e 1969, e que vieram a influenciar a forma como este museu foi construído.

Destacando o trabalho de Lina Bo Bardi, Franco Albini, Franca Helg, Carlo Scarpa, Aldo Van Eyck, Alison e Peter Smithson, a exposição acaba por ser uma homenagem a este grupo de arquitectos que moldaram a forma como se constrói uma exposição e como se trabalha a sua museografia, apresentando soluções radicais para a época e influenciando a forma como gerações futuras de curadores trabalharam o conceito de expor arte.

Para esse efeito, foram recriadas secções de algumas exposições que são hoje consideradas exemplos-chave da história do design expositivo e museográfico, mostrando-nos como diferentes formas e formatos levam a diferentes experiências por parte do visitante, e destacando ainda o contraste entre a suspensão e fixidez da década de 1950 com algumas das soluções mais lúdicas e imersivas que apareçam na década seguinte.

Cada um dos seis núcleos criados representa um dos trabalhos mais reconhecidos dos arquitectos em destaque, e as obras expostas fazem parte da colecção Gulbenkian, tendo algumas delas sido uma incrível descoberta que vale a pena ver. No entanto, toda a exposição é criada para enfatizar as soluções expositivas, e fica a sensação de as obras aparecem um pouco em segundo plano.


Bo Bardi

Lina Bo Bardi (1914-1992) foi uma arquitecta italiana que trabalhou no edifício e na museografia do Museu de Arte de São Paulo (MASP) conjuntamente com o seu marido, o historiador de arte Pietro Maria Bardi, o primeiro director daquele museu. Os projectos para este edifício começam a ser criados em 1957 mas o MASP só viria a abrir as portas ao público em 1969.

Bo Bardi foi também a responsável pela concepção das apresentações possíveis para a colecção, pretendendo criar algo novo e dinâmico, algo que representasse o monumental, no melhor sentido da palavra, mas também o popular, na sua verdadeira acepção. A escolha acabou por cair numa multiplicação de cavaletes criados em betão e vidro, expostos numa grelha retangular, com as obras a serem expostas individualmente, tendo cada uma o seu espaço. Apesar do seu aspecto provisório, esta forma manteve-se no museu de São Paulo durante quase trinta anos, até à morte do seu marido, e tornou-se numa das mais reconhecidas e celebradas do século XX. Com este projecto, Bo Bardi começou a considerar o papel de libertação da obra de arte numa atmosfera mais democrática.

A exposição começa precisamente com este núcleo e eu fiquei desde logo fascinada. Conhecia as imagens do seu icónico trabalho, mas só ao vivo se consegue perceber o efeito que o formato tem na apresentação e o impacto que aquele conjunto cria no visitante. É tão simples mas completamente diferente do formato comum das exposições mais tradicionais.

Esta forma permite também ao visitante ver a obra de diferentes perspectivas, deixando visível a parte traseira dos cavaletes, algo a que raramente temos acesso, e eu fiquei encantada a descobrir os pormenores geralmente escondidos.

Lina Bo Bardi, MUseu de Arte Moderna de São Paulo



Excerto da instalação dedicada a Lina Bo Bardi, Fundação Calouste Gulbenkian, 2019


Smithsons

O segundo núcleo da exposição já se aproxima da forma de expor actual, com as paredes brancas em destaque e as obras expostas individualmente, ocupando cada uma o seu lugar na parede. No entanto, para o ano de 1964, a proposta do casal de arquitectos Alison (1928-1993) e Peter Smithson (1924-2003) era bastante inovadora, principalmente se tivermos em conta que foi apresentada na Tate Britain, um espaço com uma arquitectura neoclássica.

Enquanto arquitectos, os Smithsons tornaram-se célebres e alcançaram notoriedade como promotores do movimento arquitectónico Novo Brutalismo, durante as décadas de 1950 e de 1960.

A exposição aqui recriada é Painting & Sculpture of a Decade 54–64 que levou até Londres uma mostra da arte internacional mais recente. Organizada pelo Arts Council e financiada pela Fundação Calouste Gulbenkian, foi impulsionada por Lawrence Gowing, um artista-escritor e administrador da Tate, que terá aparentemente proposto os Smithson, que já tinham concebido alguns designs expositivos experimentais para o Independent Group (Grupo Independente de jovens artistas e arquitectos).

Para este projecto foi criado o que apelidaram de «Via Láctea»: uma sequência labiríntica de austeros espaços brancos construída através de uma contínua parede falsa que se materializava em vários planos diagonais, que ocultou por completo a arquitectura do museu. Constituído por painéis com cerca de três metros de altura, o espaço foi iluminado por meio de lâmpadas de tungsténio com uma luz brilhante. Uma luta frenética permitiu instalar cerca de 370 obras no espaço disponível, e as decisões tiveram de ser frequentemente práticas e radicais. Contudo, o objectivo era criar uma experiência de associação intelectual e imersão sensorial.

Este núcleo tinha pinturas muito interessantes (algumas poderia facilmente trazer para casa) e sem dúvida que a construção do espaço dentro do espaço é algo que museográficamente é curioso estudar e compreender. Mas como esta forma é muito semelhante à forma de expor actual, acaba por perder um pouco o efeito surpresa. Acredito que ver esta exposição no espaço da Tate Britain nos anos 60 se tenha revelado uma experiência completamente diferente e fascinante.



Alison e Peter Smithson, Tate Britain



Excerto da Exposição na Fundação Calouste Gulbenkian, 2019



VAN EYCK

O arquitecto holandês Aldo van Eyck (1918-1999) foi dos nomes mais importantes do Estruturalismo e nesta exposição são-lhe dedicados dois núcleos, um relativo ao pavilhão temporário para uma das edições da exposição de escultura ao ar livre no Parque Sonsbeek, organizada pela cidade de Arnhem na Holanda, e outro referente ao seu trabalho no grupo Cobra – um movimento cujo nome deriva das primeiras sílabas das cidades de origem dos seus artistas: Copenhaga, Bruxelas e Amesterdão.


VAN EYCK II

Para o pavilhão que concebeu para o Parque Sonsbeek, Van Eyck desenhou uma estrutura elementar constituída por seis paredes paralelas em blocos de betão que manipulou de modo a criar um interior surpreendentemente rico e labiríntico, ao incluir absides e nichos semicirculares no esquema rectilíneo, criando como que um espaço urbano com ruas, becos e pequenas praças.

As esculturas expostas no espaço foram expostas sobre plintos construídos com os mesmos blocos de betão, o que criava uma sensação de homogeneidade. A cenografia pretendia criar a experiência de um encontro quase espontâneo ao reunir várias obras de arte em espaços apertados, forçando o visitante a caminhar muito próximo das esculturas.

Em 2006, o pavilhão foi reconstruído com uma cobertura mais resistente no parque de esculturas ao ar livre do Kröller-Müller Museum, em Otterlo, a norte de Arnhem.

Na Galeria Principal foi exposto um fragmento deste pavilhão, enquanto no exterior, junto à entrada da Colecção do Fundador, se encontra numa parte mais completa desta estrutura expositiva.


VAN EYCK I

Após a segunda guerra mundial, Aldo van Eyck mudou-se para Amesterdão onde se relacionou com os círculos artísticos dessa cidade, colaborando com o grupo Cobra nas duas exposições que marcaram a sua curta duração.

Na exposição do Stedelijk Museum, o espaço era mais amplo do que o necessário, o que levou Van Eyck a pedir aos artistas para realizarem novas peças que criassem impacto. Pinturas pequenas ocuparam posições altas ou muito baixas, ao contrário do habitual, invertendo o processo comum de expor e olhar para arte e provocando o publico, que assim era forçado e movimentar-se e a olhar para as peças de forma diferente. Gravuras e desenhos foram colocados em plintos baixos de madeira, pintados de preto ou de branco, que podiam ser agrupados em elementos de maiores dimensões. Neste caso, foi reproduzidos um dos plintos baixos da exposição do grupo Cobra em Amesterdão, um plinto de madeira branco colocado no chão, onde foram expostos uns desenhos incríveis da artista portuguesa Maria Helena Vieira da Silva, que só por si já valem a pena.

Em 1951, na segunda edição da exposição em Liège, Van Eyck recorreu a técnicas semelhantes. No entanto, abordou de forma mais radical os plintos. Alguns funcionavam como estrados preenchidos com carvão – uma referência ao contexto local das minas belgas – aqui preenchido com cortiça, numa alusão à importância deste material na economia portuguesa - que serviam de base para as pequenas esculturas em pedra de Henry Heerup.


SCARPA

O arquitecto veneziano Carlo Scarpa (1906-1978) tem um pequeno canto dedicado ao seu trabalho expositivo, onde se podem ver dois exemplares originais dos seus cavaletes, uma das soluções expositivas mais característica dos seus proiectos. O alto nível de pormenor construtivo e a forma como são dispostos faz destes cavaletes objectos particulares, sendo que para esta exposição foram emprestados pelo Museo Correr. Apesar da elevada qualidade, a forma como os cavaletes estão afastados da parede e instalados em ângulos rectos em relação à janela evoca o espaço de um atelier de artista.

Scarpa começou por desenhar expositores de vendas e estruturas funerárias. Já tinha participado na remodelação parcial de museus, como as Gallerie dell’Accademia em Veneza (1949), quando foi convidado para o projecto do Palazzo Abatellis, em Palermo, bastante destruído pela Segunda Guerra Mundial. O projecto Correr foi um pouco diferente, uma vez que o edifício, mais recente, se encontrava em muito melhores condições. Apesar disto limitar as oportunidades de acção, Scarpa conseguiu intervir no local de forma subtil.

Scarpa conseguiu gerir o problema das paredes preexistentes, evitando aí suspender pinturas e criando estruturas de painéis para as acolher e destacar numa combinação de propostas simultaneamente eclesiástica e comercial.


Museu Correr, Veneza Gianantonio Battistella



Fundação Calouste Gulbenkian, 2019




ALBINI E HELG

Os designers e arquitectos Franca Helg (1920-1989) e Franco Albini (1905-1977) começaram a trabalhar juntos em 1950 e em 1952 fundaram o Studio Albini-Helg em Milão. A primeira encomenda assinada por ambos foi o restauro integral de um edifício antigo destinado a reabrir como museu: o Palazzo Bianco ao qual se seguiu o trabalho no museu congénere, o Palazzo Rosso, duas obras reconhecidas e marcantes nas suas carreiras.

Nesta exposição são reproduzidos elementos destes dois museus – varões verticais assentes em bases, braço rotativo e cadeiras Tripolina – podem ser vistos como representativos das duas faces do pensamento de Albini e Helg: a contemplação e o envolvimento. Verifica-se em ambos o desejo de tornar as pinturas mais próximas de objectos, desmistificando-as e trazendo-as para o mundo real. Sempre que possível, eles retiravam as molduras fazendo com que as pinturas flutuassem de forma mais livre, e encorajando por vezes a interacção por parte dos visitantes. As distintas cadeiras Tripolina, que o visitante é convidado a experimentar, foram agrupadas ao longo do Palazzo Rosso e estimulam uma fruição serena.

Nesta mostra, é ainda apresentada outra forma de expor da dupla, neste caso numa exposição temporária sobre arte italiana em São Paulo (1954), tendo sido reconstruída uma parede de tecido iluminada, sobre a qual as pinturas se equilibram.

Franco Albini e Franca Helg, Palazzo Bianco, Génova, 1949-1951.


Excerto da Exposição da Fundação Calouste Gulbenkian, 2019


A exposição tem curadoria de Penelope Curtis (Museu Calouste Gulbenkian) e Dirk van den Heuvel (Jaap Bakema Study Centre/Het Nieuwe Instituut) e é um projecto associado da Trienal de Arquitectura de Lisboa 2019.


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