A magia de Henri Cartier-Bresson
- Raquel Pereira
- 16 de abr. de 2020
- 4 min de leitura
“A fotografia é uma reacção imediata, o desenho é uma reflexão.”

A vida cultural da cidade do Porto é recheada de exposições incríveis, e uma das que não quisemos mesmo perder nos dois dias que por lá passámos em Janeiro era a de Henri Cartier-Bresson: Retratos, dedicada ao trabalho inspirador deste fotógrafo francês, um dos quatro co-fundadores da Magnum Photos, uma cooperativa internacional fundada em 1947 e que ainda hoje trabalha com o intuito de garantir que os fotógrafos têm liberdade de trabalho criativo e independente, sem terem que se subjugar a agendas comerciais de revistas e jornais.
Nascido em 1908, Henri Cartier-Bresson começou por se dedicar à pintura, explorando as possibilidades surrealistas, detendo um forte fascínio pelas ideias de libertação da lógica e da razão. Em 1932, depois de passar um ano na Costa do Marfim, descobre as câmaras Leica, que se viriam a tornar a sua marca de máquinas fotográficas de eleição e com as quais viria a trabalhar até ao final da sua vida. À medida que se vai dedicando à fotografia, vai desenvolvendo a sua arte em locais tão distintos como o México ou a Europa de Leste, explorando também a arte cinematográfica em colaboração com o francês Jean Renoir. Nunca tendo abandonado por completo o desenho e a pintura, começa, a partir de 1968, a reduzir as suas actividades fotográficas para se dedicar com maior ênfase a estas duas. Em 2003, conjuntamente com a sua mulher e filha, cria a Fundação Henri Cartier-Bresson em Paris com o intuito de preservar o seu trabalho. Viria a falecer a 3 de Agosto de 2004, na sua casa em Provence, poucas semanas antes de completar 96 anos.
A exposição que esteve patente na Alfândega do Porto reuniu 121 retratos realizados ao longo de 70 anos e era baseada no livro de 1998 Tête à Tête, valendo muito a pena a visita, quer fossem amantes de fotografia ou simples curiosos. A museografia era bastante simples, mas bonita e cumpria o objectivo sem entrar em grandes invenções. Organizada de forma cronológica, começávamos por ver os retratos tirados no início da sua carreira e íamos acompanhando a sua evolução enquanto fotógrafo até às fotografias tiradas em anos mais recentes.

Também em exposição estavam três das máquinas com que fotografou e eu dava um rim para conseguir ter uma delas!
A exposição conjugou retratos de anónimos, tiradas em diversos países e em situações sociais muito distintas, com os de personalidades conhecidas e nomes chave da arte, literatura e política do século XX, que teve o privilégio de fotografar na rua, nos seus estúdios os escritórios particulares ou mesmo nas suas casas. Pelo que consegui ler, e apesar destas visitas serem bastante curtas, não demorando muitas vezes mais de 20 minutos, Cartier-Bresson conseguia captar momentos de pura intimidade, transmitindo familiaridade, proximidade e confiança, como se fôssemos intrusos a espreitar para momentos entre amigos, que se traduzem em fotografias únicas e marcantes.
As fotografias são todas a preto e branco e são tão bonitas que é fácil perdermos-nos de amores e ficarmos embevecidos a vê-las (sou lamechas, eu sei), havendo qualquer coisa que nos prende à sua forma de ver o mundo e os outros. Não é só em termos técnicos que as imagens são fascinantes, com sombras e contrastes que garantem uma profundidade incrível, mas foi a sua capacidade de captar o fotografado de forma íntima e familiar que o tornou um dos mais importantes fotógrafos do século XX. E afinal é isso que nos atrai para si, pegar numa máquina todos conseguimos, mas captar os outros desta forma e com tamanha sensibilidade só está ao alcance de alguns (tão tão poucos).
Das muitas fotos, podemos encontrar o genial Pablo Picasso de tronco nu, em 1944 em Paris; a escritora francesa Simone de Beauvoir numa rua parisiense coberta de neve em 1947; o poeta francês e pai do surrealismo, André Breton, na sua casa em Paris em 1961 rodeado de máscaras africanas e com o olhar meio perdido; e uma das minhas preferidas, talvez por ele ser também um dos meus pintores preferidos, Henri Matisse, rodeado de gaiolas de pássaros que estava a desenhar, na sua casa em Vence, nos Alpes-Maritimes, em França, em 1944; mas há ainda a icónica fotografia de Albert Camus, em grande plano, a fumar um cigarro numa rua em Paris em 1947; ou Robert Kennedy, a apanhar banhos de sol em calções de banho com o filho ao pé de si, num momento intimo de família tirada em 1962 no Massachusetts, EUA. A lista poderia continuar e incluiria ainda Martin Luther King, Coco Chanel, Edith Piaf, Marilyn Monroe ou Marcel Duchamp ao pé de uma das suas rodas de bicicleta. São os pesos pesados do século passado e são também uma homenagem à sua paixão pelas artes e letras, aqui captadas e guardadas na eternidade de uma expressão.


São os testemunhos de uma época em que ser fotógrafo ainda não estava na moda, as câmaras não eram acessíveis a todos e o acto de tirar uma fotografia era um privilégio. Havia um outro valor e um outro tempo na imagem, e ao olharmos para estas fotografias conseguimos compreender que a sua simplicidade e autenticidade transmitem uma certa "aura" de um tempo perdido. Não havia aplicações nem filtros nem uma constante pressão para a partilha de cada segundo da nossa vida. Era outra forma de viver, de fotografar e de fazer arte. Estas fotografias respiravam e viviam um longo tempo, transformando-se em ícones que sobrevivem até hoje.
A exposição esteve na Alfândega do Porto e os bilhetes davam ainda acesso a uma mostra complementar de trabalhos sobre a cidade do Porto, composta por 12 fotografias de Luís Nobre, Pedro Mesquita, André Boto e Diogo Borges, que apresentam uma perspectiva contemporânea dos recantos que Cartier-Bresson fotografou em 1955.
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